Fonte:   Cor:

Atletismo

Atletismo

Um paradoxo. Não há como definir de outra maneira a história do atletismo paralímpico, seja no Brasil, seja em São Paulo. A razão é simples. Modalidade presente desde os primeiros Jogos Paralímpicos (Roma, 1960), foi responsável pelas primeiras medalhas paralímpicas de ouro do Brasil, seja com homens, seja com mulheres. Do lado feminino, o feito coube a Márcia Malsar, carioca, classe C6, em Nova York 1984, na prova dos 200 metros rasos. Na verdade, essa foi a primeira medalha de ouro paralímpica da história de nosso país. Do lado masculino, o responsável foi o também carioca Luiz Cláudio Pereira, que no total conquistou 6 ouros paralímpicos. Foram dois em Stoke Mandeville 1984, no arremesso de peso e lançamento de dardo, esses os primeiros entre os homens, três em Seul 1988, no arremesso de peso, lançamento de dardo e lançamento de disco, e mais um em Barcelona 1992, no arremesso de peso.

Não bastasse essa relevância histórica, o atletismo é disparadamente a modalidade paralímpica em que o Brasil conquistou o maior número de medalhas. Segundo o site do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), o atletismo tem 112 medalhas, sendo 32 de ouro, 50 de prata e 30 de bronze, considerando-se todas as edições dos Jogos.

O paradoxo então se explica, infelizmente, pela falta de registros históricos do atletismo paralímpico no Brasil, mesmo com toda essa importância. Os dados dos anos 1980 até meados dos anos 1990 resumem-se, de forma precária, aos Jogos Paralímpicos.

Um dos motivos para esse inexplicável esquecimento histórico foi o fim da Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Rodas (ABRADECAR), em meados dos anos 2000. Apesar de ainda existir um núcleo de memória da instituição, que foi responsável pela modalidade desde seu início, praticamente todas as informações históricas se perderam, como súmulas e registros de campeonatos nacionais. Mesmo com essa lacuna de dados é possível fazer um resgate, ainda que parcial, da importância paulista na modalidade, por meio de alguns relatos de pessoas que viveram ou pesquisaram os anos 1970 e 1980.

Antes disso, porém, cabe um pequeno relato sobre o desenvolvimento da modalidade em paralimpíadas. “Nas primeiras paralimpíadas de Roma eram apenas duas provas, os 100 metros rasos e o slalon, prova em que o atleta mostra suas habilidades com a cadeira de rodas, subindo e descendo rampas, degraus, indo de frente e de ré, enfim, uma prova meio que ligada ao que um cadeirante faz no seu dia a dia. E apenas atletas com deficiência física participavam das competições”, afirma Ciro Winckler, atual coordenador do atletismo junto ao CPB e um estudioso do assunto.

Em paralelo, nos anos 1960 e 1970, é que existem os primeiros registros de provas disputadas por cadeirantes no país, concentradas no eixo Rio-São Paulo. Mas eram provas de rua, e de meia distância. Em 1976, nas paralimpíadas de Toronto, Canadá, foram introduzidas mais provas e outras deficiências, como a visual, por exemplo. Os anos 1980 foram de crescimento, tanto fora como por aqui. Mais uma vez o Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP, ver capítulo História) e o Centro de Apoio ao Deficiente Visual (CADEVI, ver capítulo Judô) foram os protagonistas em terras paulistas.

Os registros de resultados do CADEVI apontam para participações em competições a partir de 1985, quando disputou os Jogos Sul-Brasileiros para Deficientes Visuais, realizado em Curitiba (PR), conquistando o vice-campeonato por equipes. Destaque para o tetracampeonato brasileiro conquistado em 1995, 1996, 1998 e 1999. O ano de 2000 foi o da última participação oficial da entidade em campeonatos nacionais, ainda contando com resultados expressivos na competição. Infelizmente, a partir de 2001 o atletismo deixou de fazer parte de suas atividades permanentes.

Já no CPSP os dados são imprecisos, mostrando mais as conquistas no século 21, com destaque para Ozivam dos Santos Bonfim, medalha de bronze em Atenas 2004, na prova dos 5 mil metros, classe T46. Antes disso há registros de uma atleta, Maria de Lourdes da Silva Nascimento, a Malu, hoje com 53 anos, que viveu os anos 1980 e início dos anos 1990 no CPSP. Com sequelas da poliomielite, Malu teve a perna direita atrofiada, chegando a ter 15 centímetros de encurtamento com relação à perna esquerda.

Nascida na zona rural de Congoinhas (PR), ela só teve acesso a tratamento quando veio com a família para São Paulo (é a mais velha de oito irmãos), em 1974. Depois de seis cirurgias, passou a fazer fisioterapia na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), onde acabou reduzindo seu encurtamento para seis centímetros.

Foi lá que ela ouviu falar do CPSP e de sua equipe de atletismo. “Era um universo completamente diferente do que temos hoje, faltava dinheiro para tudo. Só para se ter uma ideia, eu morava em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo) e bancava a minha passagem e alimentação. Tínhamos no CPSP o local para treinamento e um equipamento precário. Cheguei a competir com a cadeira de rodas que utilizava no meu dia a dia. E não pense que era uma maravilha, não; para competição, então, era totalmente inviável”, conta Malu.

Mesmo enfrentando adversidades, foi finalista nos 100 metros rasos em Seul, ficando na 5ª colocação. Depois disso, nos anos 1990, Malu passou a competir mais em provas de rua, sendo a primeira mulher a correr a São Silvestre numa cadeira de rodas, fato registrado em reportagem no programa Esporte Espetacular, da Rede Globo.

A história de Malu serve de exemplo prático do que era o paradesporto nacional, e do que se tornou, principalmente a partir da criação do CPB, em 1995. Mais do que isso, ela marca a entrada de recursos financeiros. O próprio site do CPSP destaca: “A partir do ano 2000, o Clube passou a ter uma atuação mais profissional, devido ao fato de ter feito um acordo junto à ABRADECAR, se beneficiando da Lei 9.615, “Lei Pelé”, em parceria com bingos. O Clube conseguiu dois bingos para a ABRADECAR na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, com parte da renda revertida ao CPSP. Com esta verba, a instituição começou a remunerar técnicos e atletas, tornando os treinamentos mais eficientes e profissionais”.

O primeiro grande nome do atletismo paralímpico, no entanto, apareceu um pouco antes, mais precisamente em 1992. A mineira Adria dos Santos, que é cega, ajudou muito no desenvolvimento da modalidade. Adria é um expoente, um dos primeiros nomes “midiáticos” do movimento paralímpico, conhecida nacionalmente por suas conquistas excepcionais, com destaque para seus quatro ouros, em Barcelona 1992 (100 metros rasos), Sidney 2000 (100 e 200 metros rasos) e Atenas 2004 (100 metros rasos). No total, conquistou 13 medalhas paralímpicas.

Outro nome é o de Terezinha Guilhermina, cega e mineira como Adria, que faz parte do Time São Paulo e da equipe da Associação Desportiva para Deficientes (ADD), conta com o apoio do governo paulista e da ADD para seu desenvolvimento. Terezinha é fruto do sucesso de Adria e veio na esteira de suas conquistas, tendo obtido três ouros paralímpicos, um em Pequim 2008 (200 metros rasos) e dois em Londres 2012 (100 e 200 metros rasos).

Do lado masculino, destaque para Lucas Prado, cego, com três ouros na paralimpíada de Pequim, em 2008, nos 100, 200 e 400 metros rasos. Além dele, Alan Fonteles, que derrotou a lenda Oscar Pistorius em Londres 2012, na prova dos 200 metros rasos e se tornou, no ano seguinte, recordista mundial da prova (classe T44).

Outro atleta de ponta da atual geração do atletismo, e que faz parte do Time São Paulo, é Yohansson Nascimento, 28 anos. Natural de Maceió, Alagoas, nasceu com malformação congênita. Suas mãos não se formaram. Mesmo assim, teve uma infância completa, incluindo estudos – completou o ensino médio e só parou por conta do esporte – e muitas brincadeiras e atividades, algumas delas, como basquetebol, voleibol e bicicleta, em que se usam as mãos.

Perguntado sobre como fazia isso, Yohansson costuma responder de forma bem humorada. “Só não dou nó em pingo d’água”, brinca. Yohansson começou no atletismo praticando na escola, de forma despretensiosa. E foi assim que participou de sua primeira competição, em 2005, um campeonato estudantil em Recife, Pernambuco. Das três provas de velocidade de que participou, ganhou todas.

A técnica da equipe de atletismo paralímpico de Maceió, Valquíria Campelo, ouviu falar do garoto sem mãos que corria como uma flecha. Dias depois, a coincidência. Encontraram-se em um ônibus, um não sabia quem era o outro. “Mas a Valquíria desconfiou de que o menino de quem haviam falado para ela estava na sua frente. Não é todo dia que você cruza com um adolescente sem as duas mãos”, conta Yohansson. Da parceria, resultados fantásticos começaram a aparecer. Em 2007, no Parapan do Rio, a explosão, com três ouros nos 100, 200 e 400 metros rasos, batendo o ídolo e bicampeão paralímpico Antonio Delfino. Em Pequim 2008, foi prata no revezamento 4 x 100 e bronze nos 100 metros rasos.

Seus resultados expressivos valeram um convite para participar do Time São Paulo, em setembro de 2011. E a mudança definitiva veio em janeiro do ano seguinte. “Vim a São Paulo (treina em São Caetano do Sul) determinado, encontrei condições de treinamento que jamais tive na vida. Em Maceió eu virei atleta de ponta com a Valquíria, praticando em pista de barro, nada mais. Em São Paulo tenho apoio de equipe multidisciplinar, treino em pista oficial, recebo bolsa-atleta do CPB desde 2008 e agora também conto com a ajuda financeira do governo paulista”, explica Yohansson, que treina de segunda a sábado, em dois períodos, manhã e tarde.

Meses após a chegada a São Paulo viria a conquista maior, o ouro paralímpico em Londres 2012 nos 200 metros rasos e a prata nos 400 metros. Yohansson machucou-se na semifinal dos 100 metros e até tentou correr a final, mas desistiu no meio, com o músculo da coxa rompido.

“Emoção indescritível quando vi que tinha ganho os 200 metros rasos. Queria me teletransportar para Maceió, abraçar meus pais (Claudio e Francisca), minha mulher (Thalita, que foi pedida em casamento justamente após a conquista do ouro), meus irmãos e amigos”, diz Yohansson, que coleciona oito medalhas (3 ouros, 3 pratas e 2 bronzes), nos Mundiais de Atletismo que disputou entre 2006 e 2015.

Suas expectativas são as melhores possíveis. “Estou concentrado em melhorar minhas marcas pessoais, a medalha será consequência. Eu tenho muita experiência nesse universo da competição, sei que meu melhor pode não ser suficiente, mas estou confiante”.

Yohansson faz parte de uma época diferente, em que existe planejamento e dinheiro. Difícil comparar as condições que ele tem à disposição com as de Malu, pioneira no atletismo do CPSP. Mas o tempo passou, o Brasil virou potência paralímpica e São Paulo é um de seus baluartes. Atualmente, as principais forças do atletismo paralímpico paulista são o próprio CPSP, o Sesi, que começou com o atletismo paralímpico em 2011, e a ADD, cujo programa iniciou-se em 2003.

Paulo de Almeida, amputado e um dos grandes nomes do Brasil em provas de longa distância, é o atual diretor de esportes da ADD e explica que a instituição trabalha em duas frentes. “Desde 2009 temos o Programa
Escola de Esporte Adaptado, projeto voltado a crianças com deficiência, a partir dos 6 anos de idade. Atendemos crianças com deficiência física, visual e intelectual. Damos todo apoio a elas, com local de treinamento, no Clube Esperia, além dos professores e alimentação. Oferecemos toda a infraestrutura de que elas necessitam. Atualmente são cerca de 270 crianças, jovens e adolescentes sob nossa supervisão, e temos certeza de que estamos dando a elas a oportunidade de praticar esportes, ter mais qualidade de vida e, quem sabe, tornarem-se atletas de alto rendimento. Os recursos para os projetos advêm de empresas, por meio de incentivos fiscais”, explica Paulo.

Já a equipe adulta possui dez atletas que contam com infraestrutura técnica e financeira. Uma delas já está convocada para o Rio, a consagrada Terezinha Guilhermina. Os outros atletas pré-convocados para a seleção brasileira que vai representar o Brasil no Rio são Ariosvaldo e Vinicius Rodrigues, sendo que Vinicius foi formado na base da ADD, mostrando que o caminho percorrido na instituição deve servir de modelo a ser replicado pelo país. A ADD também tem tradição em formar atletas para provas de rua, de longa distância.

O BRASIL NOS JOGOS

Resultados nas Paralimpíadas: O atletismo conquistou 7 medalhas de ouro, 8 de prata e 3 de bronze nas Paralimpíadas de Londres.

Recordes: O atletismo brasileiro quebrou 4 recordes mundiais nas Paralimpíadas de Londres.

FICHA TÉCNICA

Descrição: Atletas com deficiência física, visual e intelectual, de ambos os sexos, podem praticar a modalidade, sendo que os que possuem deficiência visual podem ser acompanhados de um guia, dependendo da prova. O atletismo paralímpico possui 17 provas entre pista e campo: corridas de velocidade, como os 100 e 200 metros rasos, corridas de média distância, como os 400 e 800 metros rasos, corridas de resistência, como os 1.500, 5.000 e 10.000 metros rasos. Também temos as provas de revezamento, como os 4x100 e 4x400. Já nas provas de campo, temos salto em altura, salto em distância, salto triplo, lançamento de peso, lançamento de disco, lançamento de dardo e de martelo. E, por fim, o pentatlo. As competições seguem as regras da Federação Internacional de Atletismo (IAAF), com adaptações para o uso de próteses, cadeira de rodas ou guia, mas sem oferecer vantagem em relação aos seus adversários.

Classificação funcional: O sistema de classificação funcional utiliza a letra T (track) precedida do número da classe do atleta para indicar eventos de pista e a Letra F (field), também precedida do número da classe, para indicar os eventos de campo (Exemplo: T46 e F46).

Para provas de campo – arremesso, lançamentos e saltos:

•   F – Field (campo)

•   F11 a F13 – Atletas com deficiência visual

•   F20 – Atletas com deficiência intelectual

•   F31 a F38 – Atletas com paralisia cerebral (31 a 34 para cadeirantes e 35 a 38 para andantes)

•   F40 – Anões

•   F41 a F46 – Amputados e outros

•   F51 a F58 – Competem em cadeiras (atletas com sequelas de poliomielite, lesão medular e amputados)

Para provas de pista – corridas de velocidade e resistência

•   T – Track (pista)

•   T11 a T13 – Atletas com deficiência visual

•   T20 – Atletas com deficiência intelectual

•   T31 a T38 – Atletas com paralisia cerebral (31 a 34 para cadeirantes e 35 a 38 para andantes)

•   T41 a T46 – Amputados e outros

•   T51 a T54 – Competem em cadeiras (atletas com sequelas de poliomielite, lesão medular e amputados)