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Basquete em Cadeiras de Rodas

Basquetebol EM CADEIRA DE RODAS

A importância do basquetebol em cadeira de rodas no Brasil é gigantesca, pois a origem da prática do esporte adaptado no país deu-se justamente por meio da prática da modalidade, em iniciativas de Sérgio Seraphin Del Grande, na cidade de São Paulo e de Robson Sampaio de Almeida, residente no Rio de Janeiro. Ambos, após sofrerem acidentes que resultaram em uma lesão permanente, procuraram os serviços de reabilitação nos Estados Unidos, nos anos 1950. Robson fundou o Clube do Otimismo, no Rio de Janeiro, em 1958. Sérgio, porém, fundou o Clube dos Paraplégicos de São Paulo, um pouco antes. Existem controvérsias jurídicas sobre qual instituição foi legalizada primeiro, mas o importante é o fato de que ambas deram impulso à prática do esporte adaptado no Brasil, por meio do basquetebol em cadeira de rodas.

O paulistano Del Grande ficou paraplégico em 1951, aos 15 anos, ao sofrer uma queda durante treino de futebol, realizado no Colégio Arquidiocesano, frequentado por ele e localizado na zona sul de São Paulo. Ao buscar atendimento, foi orientado, dentro de suas possibilidades financeiras, a procurar um serviço mais adequado nos Estados Unidos. Foi quando descobriu o Institute for Rehabilitation Kesle, em New Jersey. Dentro do programa de reabilitação, existia a obrigação de optar por uma das atividades esportivas oferecidas. Entre elas, estava o basquetebol em cadeira de rodas, escolhido por Sérgio.

Ao retornar ao Brasil, entusiasmado com a boa experiência que lhe proporcionou integração social e a oportunidade de viajar e jogar com outros institutos de reabilitação, Del Grande organiza jogos de exibição da equipe “Pan Jets” - equipe de basquetebol em cadeira de rodas, formada por funcionários com deficiência da empresa de aviação americana Pan Am - nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, em 1957. O grupo fez demonstrações do basquetebol em cadeira de rodas, tênis de mesa e tiro com arco. Motivado por um dos atletas do Pan Jets, Jean Quellong, Sérgio Del Grande passa a movimentar-se para a fundação do Clube dos Paraplégicos de São Paulo e tem como pretensão a organização de uma equipe de basquetebol em cadeira de rodas, conforme o próprio relata, em depoimento retirado do livro de Paulo Ferreira de Araújo, “Desporto Adaptado no Brasil: origem, institucionalização e atualidade”, em sua tese de doutorado que fez na UNICAMP, em 1997:

“Iniciamos este movimento logo após o jogo de exibição dos “Pan Jets”, no final de 1957. A partir daí a minha preocupação passou a ser arrumar pessoas com deficiência para iniciar a equipe e logo que eu vi um homem saltando do bonde de muleta, eu pensei: é esse o primeiro que tenho que pegar. Seu nome é João Lourenço e foi um dos que me deram muito apoio. Fui depois ao Lar Escola São Francisco e arrumei mais uns quatro, no Hospital das Clínicas e na AACD. Nós reunimos dez pessoas e formamos a primeira equipe de basquetebol em cadeira de rodas no Brasil. Em fevereiro de 1958 iniciamos os treinamentos de basquetebol no Hospital das Clínicas em São Paulo”.

E assim continua Del Grande. “No início deste movimento tive muito apoio da Federação Paulista de Futebol, principalmente do Doutor Paulo Machado de Carvalho. Em 28 de julho de 1958 nós demos personalidade jurídica para o Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP), que contou com os seguintes sócios fundadores: Paulo Machado de Carvalho, Júlio Fantauzzi Filho, Wilson da Costa Florin, Sérgio Seraphin Del Grande, Fernando Bocolini, Vicente Feola, Murilo Antunes Alves e toda a delegação de campeões de futebol em 1958, na Suécia. A data de fundação do CPSP foi escolhida para homenagear o dia 28 de julho de 1948, data esta em que o Dr. Ludwig Guttmman começou o esporte para o atleta com deficiência em Stoke Mandeville, na Inglaterra”.

Em novembro de 1958 ocorre o primeiro confronto, entre o CPSP e a equipe de basquetebol em cadeira de rodas, também recém-formada, do Clube do Otimismo, fundado por Robson Almeida. Há registros citados no livro de Araújo de que a partida ocorreu no Ginásio de Esportes do Maracanãzinho, sendo os paulistas os vencedores com o placar de 22x16. Em 1960 e 1961 outros dois confrontos aconteceram, ambos vencidos pelos cariocas por 37x17 e 48x8, respectivamente. Com isso estava selada a sistematização competitiva do basquetebol em cadeira de rodas no Brasil.

Del Grande ainda relata que em 6 de dezembro de 1959 o Clube dos Paraplégicos de São Paulo embarcava para Buenos Aires, ocasionando assim, um movimento internacional envolvendo o Brasil no campo esportivo para pessoas com deficiência. A equipe de basquetebol em cadeira de rodas do CPSP jogou com os clubes Marcelo Joca Fitte, Luna Park e Mar Del Plata. Já em 1960, o Clube dos Paraplégicos de São Paulo participa do 1º Campeonato Mundial realizado em Roma.

Em função da determinação de dois homens, Sérgio Seraphin Del Grande e Robson Sampaio de Almeida, o esporte para pessoas com deficiência passou a ser visto como uma possibilidade aqui no Brasil. Tal movimento se fortalece e passa a se relacionar em um cenário internacional a partir de 1969, quando a primeira Seleção participa dos 2º Jogos Panamericanos realizados em Buenos Aires. A participação do Brasil neste evento foi de suma importância, pois permitiu que profissionais conhecessem outras possibilidades esportivas para pessoas com deficiência.

A partir de então, este movimento no Brasil tem procurado trilhar os caminhos estabelecidos pelos órgãos internacionais, seja incorporando as orientações ou buscando acompanhar as evoluções nos mais diferentes campos de conhecimento que esta área estabeleceu, buscando assim uma participação cada vez mais efetiva. O desenvolvimento e difusão do basquetebol em cadeira de rodas no Brasil levou à fundação da Confederação Brasileira de Basquetebol em Cadeira de Rodas – CBBC, em dezembro de 1997. Atualmente o CBBC é o órgão responsável pelo desenvolvimento técnico da modalidade no país.

Nesse mesmo cenário, ocorreu a fundação da Federação Paulista de Basquete Sobre Rodas, que aconteceu devido à necessidade da existência de um órgão estadual oficial para filiar e orientar as equipes paulistas desta prática esportiva. Dessa forma, em 12 de abril de 1997, foi fundada a FPBSR (Federação Paulista de Basquete Sobre Rodas), na cidade de Campinas, interior de São Paulo.

Em 1998, a FPBSR organizou seu primeiro Campeonato Paulista apenas com recursos vindos dos seus clubes filiados e ainda hoje a Federação Paulista se mantém como o estado em que mais se pratica basquetebol em cadeira de rodas. Atualmente, fruto do trabalho iniciado nos anos 1950 por Del Grande, temos 15 clubes paulistas filiados à FPBSR, aqui listados: Associação dos Amigos e Paradesportistas de Piracicaba (AAPP); Associação dos Amigos Paratletas de Ribeirão Preto (ADAD); Associação de Desporto Adaptado de Presidente Prudente (ADAPP); Associação Desportiva de Pessoas com Deficiência Física (ADESP); ADR de São José do Rio Preto; AEDREHC CAY; Athlon Ases de São José dos Campos; Clube Amigo dos Deficientes (CAD); Clube Amigo dos Deficientes de São Paulo (CAD-SP); Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP); GAADIN; GADECAMP de Campinas; Clube de Desporto Magic Hands; Associação Desportiva para Deficientes (ADD); Deficientes Olimpienses Associados (DOA).

O Campeonato Paulista está em sua décima nona edição, mostrando a força do basquetebol em cadeira de rodas no estado de São Paulo. Como não poderia deixar de ser, vários atletas paulistas foram formados, muitos deles servindo a Seleção Brasileira da modalidade. Entre eles, destaque para Leandro de Miranda, hoje com 33 anos. Leandro, que é natural de Guarulhos (SP), começou a praticar aos 13 anos. “Tinha uma cesta de basquetebol na esquina da minha casa, nas horas de lazer eu ia lá bater uma bola com meus amigos”, conta. Aos 18 anos, um acidente de moto levou à amputação de sua perna esquerda, abaixo do joelho.

Logo depois do ocorrido, foi convidado a participar do time de basquetebol da Associação pelos Direitos da Pessoa Deficiente de Guarulhos (ADPD). “Nem sabia da existência do basquetebol em cadeira de rodas. Fui e me apaixonei. Só que o time durou apenas um ano. Depois disso fiquei apenas trabalhando”. Em 2002, por intermédio do próprio trabalho que desenvolvia na ADPD, acabou sendo convidado a defender o CPSP que, na época, disputava a segunda divisão do Campeonato Paulista da modalidade. Leandro foi campeão com o CPSP e suas atuações chamaram a atenção do time da capital paulista, localizado no bairro da Barra Funda, o Águias da Cadeira de Rodas, em 2003.

“O Águias fez parte da elite do basquetebol em cadeira de rodas, passei a disputar a primeira divisão do paulista, aparecer mais”, fala Leandro. Pela equipe, foi pentacampeão paulista e tricampeão brasileiro. Suas atuações logo no primeiro ano o levaram a ser convocado para a seleção brasileira pela primeira vez. Desde então, nunca mais deixou de ser chamado. “Pela seleção destaco as conquistas de dois bronzes em Parapans (Mar Del Plata, 2003 e Rio de Janeiro, 2007), além da participação na paralimpíada de Pequim, em 2008, onde o Brasil terminou em 8° lugar”, diz Leandro, que joga na posição de pivô.

Sobre a paralimpíada do Rio, ele diz que os treinamentos estão sendo muito intensos, revezando-se entre clube e seleção. “Não paro para descansar um dia sequer, ou treino pela seleção, ou pelo clube, existe um revezamento e planejamento nesse sentido. Apesar de nunca termos conquistado nada em paralimpíadas, tenho fé que podemos surpreender, acredito na chance de uma medalha”, finaliza Leandro, que elege Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália e o atual campeão paralímpico, Canadá, como os adversários mais fortes.

Companheiro de seleção brasileira de Leandro, Gelson da Silva Junior, 36 anos, só foi conhecer o esporte adaptado quando tinha 22 anos. “O engraçado é que sou de uma cidade, Porto Alegre (RS), com história no paradesporto, mas só fui descobrir isso muitos anos depois”, conta Júnior. Tendo contraído poliomielite aos 6 meses de idade, teve como conse­quência o encurtamento de sua perna direita. “Mas isso nunca foi empecilho para mim, joguei bola, vôlei, basquete, andei de bicicleta, sempre fui muito ativo. Permaneci em Porto Alegre até os 22 anos, quando minha família se mudou para Anápolis (GO). Foi quando caminhava na rua e fui abordado por uma mulher, Ana Cardoso, perguntando se eu gostaria de praticar basquete em cadeira de rodas. Ela se impressionou com meu físico de atleta, vislumbrou a possibilidade de eu defender a Associação dos Deficientes Físicos de Goiás (ADFEGO), equipe da qual ela era treinadora. Quando me lembro dessa situação, fico negativamente impressionado com o descaso das instituições de ensino que frequentei em Porto Alegre, todas privadas. Sabendo da minha paixão por esportes, nunca um professor veio me dizer sobre o esporte adaptado, um absurdo”, diz Júnior, que atua na posição de ala.

Na ADFEGO demonstrou sua total aptidão à modalidade, e logo se destacou, conquistando o campeonato goiano e o campeonato regional centro-oeste, em 2003. Em 2004, foi para a seletiva regional, mas acabou fora da convocação final que foi para Atenas. Suas atuações chamaram a atenção da ADD, que o contratou em 2005, para jogar na equipe Magic Hands. “Tive todo o suporte da ADD, residência, bolsa de estudos (Júnior é formado em Gestão Empresarial pela Universidade de Mogi das Cruzes) e ainda ajuda financeira. Devo todo o meu desenvolvimento à ADD. Não bastasse tudo isso, eu estava no maior centro nacional do basquetebol em cadeira de todas, que é São Paulo”.

Pela ADD conquistou três campeonatos brasileiros (2010, 2011 e 2014) e ainda dois campeonatos paulistas (2009 e 2014). Mas mesmo antes dessas conquistas já tinha conquistado seu espaço na seleção brasileira, tendo sido convocado pela primeira vez em 2007, para nunca mais deixar de ser chamado. “Em 2008 (Pequim) tivemos a campanha prejudicada pela derrota para a Austrália, na estreia, por apenas um ponto. Eles eram os campeões paralímpicos, estudamos demais o adversário, mas perdemos depois de abrir vinte pontos de vantagem. Essa derrota desestruturou a equipe, dali em diante foram mais três derrotas, só ganhamos da China”, fala Júnior.

O Brasil não se classificou para a paralimpíada de Londres em 2012. Somado ao fracasso de Pequim, o espírito da equipe é tentar a todo o custo um pódio no Rio, se possível no lugar mais alto. “Nosso time é muito bom, estamos unidos, com uma grande carga de treinamentos. O foco na paralimpíada é total”, finaliza Júnior, que sempre contou com o apoio dos pais e de sua esposa, Joyce, com quem está casado há 8 anos e tem uma filha, Isabella, de 5.

Basquetebol EM CADEIRA DE RODAS NO MUNDO

Nos anos 1940 o esporte adaptado ganhava força como ferramenta de reabilitação e de inclusão, pelo mundo. Nessa época desenvolveram-se duas correntes, uma delas por Sir Ludwig Guttmann, pioneiro no uso do esporte adaptado como ferramenta de reabilitação e inclusão de pessoas com deficiência. No mesmo período, nos Estados Unidos, também utiliza-se da adaptação dos esportes, inicialmente com o basquetebol, com um enfoque esportivo e competitivo, como forma de inserção social. Foi Mr. Benjamin H. Lipton, diretor do Joseph Bulova School of Watchmaking, quem deu início, em 1946, ao programa de esporte para pessoas com deficiência na América do Norte.

Após unir-se ao professor Timothy Nugent, diretor do Student Rehabilitation da Universidade de Illinois, iniciam um processo de divulgação do basquetebol em cadeira de rodas com uma equipe formada por ex-combatentes, chamada “Fight Wheels”. Como consequência, o interesse pelo esporte aumentou de tal maneira que incluiu não só veteranos de guerra, mas civis com deficiência física. Apesar de registros indicarem a promoção de atividades esportivas para pessoas com deficiência, principalmente na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Alemanha, foi em 1948 que este conceito ganhou caráter oficial, com a realização dos Jogos de Stoke Mandeville, na Inglaterra.

Desde então o basquetebol em cadeira de rodas não parou mais de crescer, sendo disputado já na primeira paralimpíada, de 1960, em Roma, na Itália. Atualmente são mais de cem países associados à International Wheelchair Basketball Association (IWBA), que organiza os torneios pelo mundo.

O BRASIL NOS JOGOS PARALÍMPICOS

Apesar da popularidade no país, o Brasil ainda não conquistou medalhas na modalidade em Jogos Paralímpicos. A estreia da Seleção masculina foi nos Jogos de Heidelberg, em 1972, e, da feminina, em Atlanta 1996. A melhor colocação brasileira na modalidade foi o oitavo lugar em Atlanta 1996 e
Pequim 2008, com a Seleção feminina.

FICHA TÉCNICA

Condução: O jogador deve quicar, arremessar ou passar a bola a cada dois toques dados no aro de impulsão da cadeira. Essa é a única particularidade do basquetebol em cadeira de rodas. As dimensões da quadra e a altura da cesta seguem o padrão do basquetebol olímpico, assim como as regras que o regulam e que elencamos a seguir:

Tempo: Cada partida tem duração de 40 minutos sendo dividida em quatro tempos (períodos) de 10 minutos. Em caso de empates ao final do jogo, são permitidas prorrogações de 5 minutos até que se defina um vencedor. Não existe empate no basquetebol.

Pontuação: A cesta é feita quando a bola atravessa o cesto adversário. Cada cesta de campo vale 2 pontos. Quando é feita antes da linha dos 3 pontos (6,75 metros a contar da linha de fundo), vale, obviamente, 3 pontos. Por fim, uma cesta de lance livre (o jogador posiciona-se em local pré-determinado, a 4,80 metros da linha de fundo) tem o valor de 1 ponto.

Posições: As posições do basquetebol em cadeira de rodas são as mesmas do basquetebol convencional:

•   Armador: É responsável pela execução tática de jogo.

•   Ala: Normalmente tem bom índice de acertos em arremessos e auxilia o armador nas jogadas.

•   Pivô: É um jogador que possui bom controle de tronco para jogar em cadeiras mais altas e, por isso, joga mais próximo à tabela.

Classificação funcional: A classificação do basquetebol em cadeira de rodas leva em consideração a capacidade que o atleta tem de controlar seu corpo na cadeira de rodas, com e sem bola. Cada atleta recebe uma classificação que varia de 1,0 a 4,5. Os atletas da classe 1,0 são aqueles que possuem maior grau de comprometimento físico e atletas da classe 4,5 são atletas que possuem menor grau de comprometimento físico. A soma das classificações dos atletas em quadra não pode exceder 14 pontos nas competições oficiais da Federação Internacional de Basquetebol em Cadeira de Rodas.