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Bocha

Bocha

Um ano depois de a bocha se tornar conhecida no Brasil, em 1995, com a vitória de dois atletas brasileiros nos Jogos Parapanamericanos de Mar Del Plata, na Argentina, o estado de São Paulo era representado por uma entidade no lançamento do projeto “Boccia Para Portadores de Paralisia Cerebral Severa” – iniciativa da Associação Nacional de Desporto para Deficientes (ANDE), que fazia parte do Programa de Fomento Esportivo e reuniu ainda duas instituições do Paraná, cinco do Rio de Janeiro, uma do Mato Grosso do Sul e uma de Minas Gerais, em junho de 1996, em Curitiba (PR).

A participação dos dois atletas foi por acaso. Inscritos para o atletismo, aceitaram participar de improviso da competição de bocha, com o objetivo de aprendizagem para posterior implantação da modalidade. De forma surpreendente, conquistaram o primeiro lugar em duas categorias.

Iniciada no Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP) na década de 1990, a bocha foi implantada com sucesso em diversas cidades do estado. Segundo a professora de Educação Física e técnica de bocha do Tradef e Time São Paulo, Ana Carolina Lemos Alves, a modalidade vem se desenvolvendo por meio de iniciativas e projetos apoiados muitas vezes pelas prefeituras, como São José dos Campos, Caraguatatuba, Ferraz de Vasconcelos, Barueri e Itaquaquecetuba; e também por instituições como o próprio CPSP e AACD (São Paulo), Advisa (Santos), APBS (Guarujá), Casas André Luiz (Guarulhos), APTS (Taboão da Serra), Sesi SP Suzano, Tradef e Ismel (Mogi das Cruzes).

Do período inicial da modalidade, Ana Carolina lembra que os profissionais precisaram fazer algumas adaptações. “No começo a bolinha era de meia ou utilizávamos aquela de fisioterapia, uma vez que o material era muito caro. Na realidade, ele ainda tem um custo elevado, mas os incentivos ao esporte oferecidos pelo governo federal, como o bolsa-atleta, permitiram ao atleta adquirir os equipamentos e materiais necessários para a prática da modalidade”, avalia a técnica.

Natural de Francisco Morato (SP), foi em Mogi das Cruzes, onde mora, que o bicampeão paralímpico, Dirceu Pinto, conheceu a bocha paralímpica. “Foi paixão à primeira vista. Depois de cinco anos praticando a natação e sem a expectativa de atingir o alto rendimento, a bocha fez com que meu sonho de representar o Brasil numa paralimpíada revivesse”, conta o atleta do Tradef.

Com uma doença degenerativa muscular, que começou a se manifestar quando tinha 12 anos, Dirceu iniciou na natação, mas a fraqueza muscular o impediu de treinar em alto rendimento. Em 2002, com 22 anos, foi convidado pelo professor Ronaldo Gonçalves de Oliveira a conhecer o esporte. “Ele estava implantando a bocha em Mogi das Cruzes e disse que eu tinha perfil. Experimentei e minha vida mudou. Com dois meses de treinamento, voltei de um torneio regional que aconteceu no Maracanãzinho (Rio de Janeiro) - com duas medalhas de ouro na minha categoria BC4. Foi uma grande felicidade, pois minha vida estava mudando. Depois de três anos preso em casa, agora tinha uma profissão – atleta”.

Depois do primeiro título, as conquistas não pararam e as duas medalhas de ouro em sua estreia em Jogos Paralímpicos, em Pequim 2008, nas disputas individual e duplas (com Eliseu dos Santos) – feito repetido em Londres 2012 - foram um marco não só para a carreira de Dirceu como para a bocha paralímpica brasileira. “Depois das medalhas, mudou bastante a percepção do esporte. A modalidade passou a ser vista com o respeito que não tinha antes”, avalia Ana Carolina.

E, mesmo dono do bicampeonato paralímpico, a maior emoção de Dirceu ainda está por vir: participar de uma paralimpíada em seu país e com a sua torcida. “Estou fazendo uma preparação especial para os jogos do Rio. Ela começou no final de 2013 e envolve a parte física, tática e psicológica. Meu dia a dia é só de treinos e estou praticamente morando no Centro de Paradesporto de Mogi das Cruzes”. Para cumprir sua meta de conquistar mais dois ouros para o Brasil, uma equipe multidisciplinar com cerca de sete profissionais o tem acompanhado bem de perto. “Ninguém faz nada sozinho e sou agradecido por todos que me apoiaram para chegar até aqui”, reforça. Para garantir essa infraestrutura, o atleta faz parte do Time São Paulo Paralímpico, parceria entre o governo estadual e o Comitê Paralímpico Brasileiro, e possui a bolsa-pódio (uma categoria do programa bolsa-atleta, do governo federal), além de patrocínios de empresas e órgãos públicos.

Hoje, segundo a coordenadora técnica da seleção brasileira de bocha paralímpica, Márcia Campeão, mais de 800 atletas estão na modalidade no país. No estado de São Paulo, o crescimento da bocha fez dele o único esporte a ter um campeonato estadual. O evento, que é classificatório para o campeonato regional organizado pela ANDE, deverá reunir em 2016 quase 200 atletas – o que o torna a maior competição do mundo em número de participantes. Do campeonato paulista, são classificados 20 atletas de cada classe para o regional. Já para as competições nacionais, qualificam-se os cinco melhores do regional de cada classe; enquanto que para a Copa Brasil de Pares e Equipes, os atletas que ficam em até 4º lugar no regional ganham o direito de formar uma dupla ou equipe.

A Bocha no Mundo

Existem muitas versões quanto à origem do jogo tradicional. A maior referência é que seja uma adaptação para quadra fechada do jogo italiano de boliche em grama. Também praticado na Grécia Clássica, no início apenas como passatempo, e que a aristocracia italiana introduziu na corte florentina no século 16. Mas foi só na década de 1970 que o esporte foi adaptado por países nórdicos a pessoas com deficiência.

A bocha estreou no programa paralímpico oficial em 1984, na cidade de Nova York, com disputas individuais no feminino e masculino. Até 1992, nas Paralimpíadas de Barcelona, era disputada em duas classes: C1 e C2, as duas somente para atletas com paralisia cerebral. Nos Jogos de Sidney 2000, as classes passaram a ter a denominação de BC, sendo que as disputas incluíram atletas até a classe BC3. Em Atenas 2004, estreou a classe BC4, voltada a atletas sem paralisia cerebral.

Curiosidade Paralímpica

O “lawn bowls”, espécie de bocha sobre grama, foi o precursor do esporte nos Jogos Paralímpicos. Foi justamente no lawn bowls que o Brasil conquistou sua primeira medalha paralímpica: uma prata, com Robson Sampaio de Almeida e Luiz Carlos “Curtinho” nos Jogos de Heidelberg, na Alemanha, em 1972.

A bocha é um dos poucos esportes em que homens e mulheres jogam juntos, entre si, seja como adversários ou companheiros. E, ao lado do goalball, é um dos dois únicos esportes paralímpicos que não conta com um similar nos Jogos Olímpicos.

O Brasil em Paralimpíadas

A primeira participação do Brasil em Jogos Paralímpicos com a bocha foi em Pequim 2008, quando conquistou duas medalhas de ouro e uma de bronze com os atletas Dirceu Pinto e Eliseu dos Santos. Em Londres 2012, foram três ouros e um bronze, com repeteco de Dirceu e Eliseu. A outra medalha de ouro foi do atleta Maciel Santos.

Ficha técnica

Descritivo: O jogo de bocha pode ser praticado individualmente, em duplas ou em equipes, por pessoas com maior grau de comprometimento físico de ambos os sexos. Inicialmente era voltado apenas a pessoas com paralisia cerebral, com alto grau de comprometimento motor (os quatro membros afetados e uso de cadeira de rodas). Atualmente pessoas com outras deficiências também podem competir, desde que inseridas em classes específicas e que apresentem também o mesmo grau de deficiência exigida e comprovada, por exemplo, distrofia muscular progressiva ou acidente vascular cerebral. É permitido usar as mãos, os pés, instrumentos de auxílio e até ajudantes no caso dos atletas com maior comprometimento dos membros.

A partida é realizada com um conjunto de bolas de bocha (de tamanho menor que o da bocha convencional) que consiste em seis bolas azuis, seis bolas vermelhas e uma bola branca, em uma quadra, de tamanho 12,5m x 6m, especialmente marcada e de superfície plana e lisa. A sua finalidade principal é a mesma da bocha convencional, ou seja, encostar o maior número de bolas na bola-alvo. O jogo se inicia com o atleta arremessando, com o intuito de se conseguir que as suas bolas se aproximem o máximo possível da bola branca. Quando não houver mais bolas a serem arremessadas, o árbitro determina a quantidade de pontos alcançados, pelo atleta ou equipe, baseado na medida da distância das bolas mais próximas da bola-alvo - quem acumular mais bolas próximas ao alvo, vence a partida. As regras do jogo de bocha são determinadas pela Associação Internacional de Esportes e Recreação para Paralisados Cerebrais (CP-ISRA) e revisadas a cada quatro anos, normalmente logo após as Paralimpíadas.

A habilidade e a inteligência tornam-se fundamentais no desenvolvimento das jogadas, assistindo-se muitas vezes a um verdadeiro espetáculo de alternância da vantagem, pela aplicação de técnicas e táticas adequadas e desenvolvidas a cada circunstância.

Classificação: os atletas são classificados em quatro classes distintas:

•   BC1: Atletas podem competir com o auxílio de ajudantes, que devem permanecer fora da área de jogo do atleta. O assistente pode apenas estabilizar ou ajustar a cadeira do jogador e é permitida a função de entregar a bola ao jogador.

•   BC2: Os jogadores não podem receber assistência.

•   BC3: Para jogadores com deficiências muito severas. Eles utilizam um dispositivo auxiliar (calha) e podem ser ajudados por uma pessoa (chamada de “calheiro”), que deve permanecer na área de jogo do atleta, mas se manter de costas para os juízes e evitar olhar para o jogo.

•   BC4: Para jogadores com outras deficiências severas, mas que não podem receber assistência.

*O termo BC significa Boccia Classification (classificação da bocha) e a numeração se refere ao grau de comprometimento motor do atleta.