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Ciclismo Paralimpico

Ciclismo

Para entender como surgiu o ciclismo paralímpico no Brasil é preciso conhecer a trajetória de vida do paulista Rivaldo Gonçalves Martins, 56 anos, pioneiro da modalidade no nosso país. Era o ano de 1986 e Rivaldo, natural de Santos, sofreu um acidente de ônibus, quando acompanhava seus alunos de um colégio de Brasília (DF), onde trabalhava. Na época, Rivaldo já tinha se formado em Educação Física (formou-se pela Universidade de Brasília, a UnB), e a competição juvenil seria em Salvador (BA). O acidente, choque entre o ônibus e um caminhão, ocorreu no interior da Bahia e o resgate levou praticamente 12 horas. “Demorou muito, estávamos meio distantes de tudo. Minha perna esquerda estava com uma hemorragia muito forte, não deu para salvá-la. Autorizei a amputação abaixo do joelho, que ficou preservado graças a outras intervenções cirúrgicas a que fui submetido”, conta Rivaldo, que nessa época já era atleta profissional de triatlo. Desde os 8 anos de idade praticava natação no Clube de Regatas Saldanha da Gama, na sua cidade natal.

Com essa mesma idade, começou a participar de travessias em mar aberto, foi o atleta mais jovem a completar uma travessia de 2 quilômetros. Dez anos depois, incorporou o polo aquático às suas atividades. E a bicicleta? “Sempre andei de bicicleta, era meio de locomoção e lazer. Meu pai, Antonio, foi um grande ciclista, participou de campeonatos paulistas e brasileiros. O engraçado é que ele não foi um incentivador da modalidade, achava perigoso, tinha tido uns acidentes, não queria o mesmo para os filhos”.

No ano de 1984, Rivaldo conheceu o triatlo, então engatinhando em terras brasileiras. Em 1985, começou a competir e logo se tornou atleta de ponta, conquistando o campeonato brasiliense. Em 1986, vinha numa crescente. Em setembro, viu um filme do Ironman do Havaí (prova composta por 3,8 quilômetros de natação, 180 de ciclismo e 42 de corrida), e se impressionou com tudo, mas especialmente com um atleta, o primeiro a completar a prova com uma perna mecânica. Decidiu que iria fazer o Ironman, planejar seus treinos para que, em 1987, estivesse lá em condições de vitória. Porém, em outubro, o acidente com o ônibus e a consequente amputação. “Não esmoreci, muito pelo contrário. Em janeiro de 1987 já estava usando prótese e mantendo a ideia de participar do Ironman. A imagem daquele rapaz com a perna mecânica não saía da minha cabeça, se ele tinha conseguido, eu conseguiria também”. Em 1990, foi para o Havaí, mas um tombo no percurso com a bicicleta acabou rachando sua prótese. Tentou continuar, mas no meio da maratona seu joelho começou a inchar, não encaixava mais na prótese, teve que abandonar a competição. Em 1991, procurou o Ministério do Esporte para saber sobre o triatlo paralímpico, mas foi informado que nada existia nesse sentido. “Mas me esclareceram que as paralimpíadas tinham, além das provas de natação, provas de ciclismo”. Rivaldo ficou então entusiasmado com a ideia e acabou se tornando o primeiro atleta brasileiro de ciclismo paralímpico. Foi para Barcelona em 1992, fez duas finais na natação (6º lugar nos 400 metros livres e 8° lugar nos 100 metros livres, na sua categoria, a S10, de menor comprometimento físico). E no ciclismo, na prova de estrada, outra grande frustração em sua vida. Estava em primeiro lugar quando o pneu estourou e ele sofreu uma queda. “Tive que esperar a chegada do carro de apoio, perdi muito tempo, não consegui mais alcançar o pelotão da frente”. Em 1994, tornou-se campeão mundial no Mundial de Ciclismo paralímpico, na prova do contra-relógio, em evento na Bélgica, levando a bandeira do Brasil para o lugar mais alto do pódio, de forma inédita. E em 1996, um pouco antes da paralimpíada de Atlanta (EUA), conheceu Romolo Lazzaretti, italiano radicado no Brasil, com carreira no ciclismo, e o convidou para ser seu técnico. “Terminei a prova de estrada em 8° lugar, é uma prova difícil, a estratégia das equipes vale muito, eu corria sozinho, era mais complicado”.

Nesse mesmo ano, voltou a participar do Ironman do Havaí, onde finalmente completou a prova, realizando então um sonho antigo. Rivaldo acabou, posteriormente, por participar e finalizar 22 provas de Ironman, sendo o recordista mundial entre amputados, com o tempo de 9 horas e 57 minutos, conseguido na Alemanha, em 2003. De volta ao ciclismo paralímpico, Rivaldo não participou da paralimpíadas em Sidney 2000, voltando aos jogos em 2004 em Atenas. Já co m 44 anos, foi 6° na prova do contra-relógio e 9° na de estrada. Em 2006, assumiu cargo no CPB, sob a presidência de Vital Severino Neto, e passou a incrementar ainda mais a modalidade, além de ter ajudado o professor Vanilton Senatore a criar os Jogos Paradesportivos Escolares, que se tornariam grandes celeiros de revelação de atletas. Basta dizer que Alan Fonteles, recordista mundial e campeão paralímpico dos 200 metros rasos surgiu para o mundo por conta dessa competição.

Hoje, Rivaldo diz que o ciclismo paralímpico está muito forte no Brasil, opinião corroborada por Lazzaretti, atualmente diretor da equipe brasileira de ciclismo paralímpico. Romolo também foi responsável pelo crescimento do ciclismo paralímpico brasileiro, como Rivaldo. Atleta de ponta, tendo defendido a Itália na olimpíada de 1972 (Munique, Alemanha), técnico e empresário bem-sucedido no ramo de ciclismo, Lazzaretti admite que no início não conhecia quase nada do ciclismo paralímpico. “Quando o Rivaldo me procurou pouco antes da paralimpíada de Atlanta 1996, fiquei um pouco receoso, era um campo que não conhecia direito, toda a minha carreira foi desenvolvida no ciclismo convencional”, afirma ele, que disputou provas de ciclismo por 22 anos, entre 1964 e 1986. “Só para dar uma ideia do pioneirismo do Rivaldo, os primeiros ciclistas paralímpicos depois dele só apareceram em 1997, cinco anos depois de Barcelona. Surgiram ciclistas em Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro. A modalidade foi crescendo aos poucos, se expandindo para outros centros. Acredito que o ano da virada foi em 2004, quando começamos a organizar, com a ajuda do CPB, campeonatos nacionais pelo país. Envolvemos entidades como a ANDE (Associação Nacional de Desporto para Deficientes) e outras mais, especialmente de amputados, outras deficiências físicas, visuais e, até pouco tempo atrás, atletas com paralisia cerebral”, explica. O principal fator de desenvolvimento do ciclismo paralímpico no Brasil foi a evolução mercadológica, segundo Lazzaretti. Passou-se a usar as paralimpíadas como uma marca, para ajudar a “vender” o ciclismo paralímpico. Recursos vieram do CPB (por meio do convênio com as loterias da CAIXA) e de empresas que abraçaram a causa. “Em 2004 fizemos um mapeamento pelo país e descobrimos que existiam 47 atletas praticando a modalidade, mas de forma precária.

Hoje, 12 anos depois, temos 250 atletas, sendo que desses, 100 são atletas de alto rendimento e 10 fazem parte da elite do esporte. Muitos deles recebem bolsa-atleta, seja do Ministério do Esporte, seja do município que defendem. Existem torneios pelo ano, o principal deles é a Copa do Brasil. E, para ajudar na divulgação, provas de ciclismo paralímpico são realizadas junto com provas do ciclismo tradicional, como a 9 de julho, por exemplo. Isso ajuda demais na visibilidade”. Romolo elenca os estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina como os principais centros do país. E cita quais são os principais desafios daqui para frente. ”O primeiro é divulgar pelo país todo, acabar com o preconceito. Muitas famílias de amputados tratam seus filhos como em uma redoma, eles têm vergonha de tudo. Queremos acabar com isso, mostrar que a prática só traz benefícios. Outro ponto importante é a construção de mais velódromos. Hoje temos apenas três, em Indaiatuba (interior de SP), Caieiras (na Grande São Paulo) e na Universidade de São Paulo (USP). Mas eles estão longe do ideal, são de concreto, os velódromos pelo mundo são de madeira. Está sendo construído um no Rio, para os eventos olímpicos e paralímpicos, mas é pouco. Basta ver o exemplo da Inglaterra, que construiu seis novos velódromos e hoje é uma potência na modalidade. A espetacular maioria dos atletas brasileiros treina em estradas, existe um déficit enorme para treinarmos em pista também”.

Apesar de alguns problemas apontados, o cenário é promissor e são muitos os novos talentos. Romolo cita três em especial: Jade Malavazzi, do Paraná, paraplégica e que vai defender o Brasil na categoria “handcycling” (bicicleta de mão) no Rio, e os paulistas Rafael Silva, de Cordeirópolis e Lauro Chaman, de Araraquara, ambas cidades no interior do estado e que também estarão na Cidade Maravilhosa. Lauro Chaman, 28 anos, nasceu com o pé esquerdo virado para trás, além de apresentar atrofia e mobilidade reduzida nessa mesma perna. “Sofri quatro intervenções cirúrgicas para corrigir o pé. Mas minha infância foi normal, meus pais não me proibiam de nada. Jogava bola, brincava com outras crianças. De bicicleta, lembro de ter começado a andar com 4 anos de idade”, diz Lauro. Aos 11 anos começou a levar o ciclismo mais a sério, com 12 participou de sua primeira prova de mountain bike e, aos 14 anos, foi campeão paulista e brasileiro em sua categoria, competindo com garotos sem deficiência.

Lauro passou a defender a equipe de Araraquara, a Fundação de Amparo ao Esporte do Município de Araraquara (FUNDESPORTE), até 2009, quando passou a integrar a equipe do Memorial de Santos, uma referência na modalidade. Lauro tem resultados impressionantes, tanto no ciclismo paralímpico, onde compete na categoria C5, como no convencional. No ciclismo paralímpico, foi bicampeão mundial (2010 no Canadá e em 2014, nos EUA) em provas de estrada, conseguiu dois ouros (estrada e contra-relógio) e uma prata (pista, perseguição individual) no Parapan de Toronto, em 2015. E conquistou admiráveis 14 campeonatos brasileiros. No ciclismo convencional, foi campeão paulista em 2015. Ele está otimista para o Rio, tem treinado todos os dias, seguindo orientação de seu técnico, Claudio Diegues. “Ele fica em Santos e eu mais em Araraquara, conheço melhor as estradas daqui. Ele me passa uma planilha, com todo o planejamento. Treino todos os dias da semana, jornada dupla, manhã e tarde. Mas isso tudo vale a pena, vou competir nas provas de fundo e contra-relógio (estrada) e perseguição individual e prova contra-relógio (pista). Conquistar uma medalha no meu país teria um significado ainda maior”, afima Lauro Chaman, que agradece aos avós Antonio e Elvira e a mãe, Neuza, por todo o apoio que sempre lhe deram, desde o início. E, claro, também a Rivaldo Martins, o paulista que plantou a semente do ciclismo paralímpico no país, semente essa que cresceu e deu frutos fantásticos.

O Ciclismo paralímpico NO MUNDO

Praticado desde a década de 1980, o ciclismo paralímpico era destinado apenas aos atletas com deficiência visual. Nas paralimpíadas de Nova York 1984, foi estendido aos atletas com paralisia cerebral e aos amputados, mas apenas na edição de Atlanta 1996 as deficiências passaram a ser setorizadas em categorias. O velódromo entrou para a programação naquele ano e, em Sidney 2000, foi exibido pela primeira vez o handcycling.

 

O BRASIL NOS JOGOS PARALÍMPICOS

A estreia brasileira na modalidade ocorreu em Barcelona 1992, com a participação de Rivaldo Martins. O atleta foi também o primeiro do país a ser campeão mundial, em 1994, na Bélgica. Apesar disso, o Brasil ainda não conquistou medalhas no ciclismo em Jogos Paralímpicos. Destaque para dois quartos lugares, um conseguido por Soelito Gohr, na prova de estrada, em Pequim 2008, e outro por João Schwindt (já falecido), na mesma prova, em Londres 2012. Apesar da falta de medalhas paralímpicas, são muitos os pódios em mundiais e parapans, tornando o Brasil uma das forças da modalidade.

CURIOSIDADE PARALÍMPICA

O ciclismo paralímpico faz parte da prova de triatlo paralímpico, que será incluída pela primeira vez nos jogos, na edição do Rio, em 2016. As provas terão exatamente a metade das distâncias percorridas no chamado triatlo olímpico. Serão 750 metros de natação, 20 quilômetros de ciclismo e 5 quilômetros de corrida. Rivaldo Martins é quem está na coordenação da modalidade, junto à Confederação Brasileira de Triatlo. “Será muito legal termos essa prova daqui em diante. Mas como tudo que é novo, precisa evoluir, especialmente no aspecto da classificação funcional, que precisa ser mais bem elaborada, para evitar injustiças entre os competidores”, diz Martins.

Ficha técnica

Descrição: Competem no ciclismo atletas de ambos os sexos, com paralisia cerebral, deficiência visual, amputados e com lesão medular. Esta modalidade pode ser praticada individualmente ou em equipe. As regras seguem, basicamente, as mesmas da União Internacional de Ciclismo (UCI), mas com pequenas alterações relativas à segurança e classificação dos atletas. As bicicletas podem ser de modelos convencionais ou triciclos para atletas com paralisia cerebral, segundo o grau de lesão. O ciclista cego compete em uma bicicleta dupla – conhecida como “tandem” – com um guia no banco da frente dando a direção. Para os cadeirantes, a bicicleta é chamada de handcycling, pois a mesma é “pedalada” com as mãos.

Classificação funcional:

•   C: Ciclismo (Cycling)

•   C1 a C5: Atletas com grau avançado a leve de deficiência física.

•   LC: Locomotor Cycling (atletas com dificuldade de locomoção)

•   LC1: Atletas com pequeno prejuízo em função da deficiência, normalmente nos membros superiores.

•   LC2: Atletas com prejuízo físico em uma das pernas, permitindo o uso de prótese para competição.

•   LC3: Atletas que pedalam com apenas uma perna e não podem utilizar próteses.

•   LC4: Atletas com maior grau de deficiência, normalmente amputação em um membro superior e um inferior.

•   Tandem: Para ciclistas com deficiência visual (B1, B2 e B3). A bicicleta tem dois assentos e ambos ocupantes pedalam em sintonia. Na frente, vai um atleta sem deficiência e no banco de trás o atleta com deficiência visual.

•   T: triciclo (tricycling). T1 e T2 – Atletas que usam bicicleta com três rodas (uma à frente e as demais nas laterais do assento) e se deslocam impulsionando as rodas com o toque das mãos.

•   H: pedal nas mãos (handbike). H1 a H4 - Para atletas paraplégicos que utilizam bicicleta especial impulsionada com as mãos.