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Judô

Judô

O judô é uma das modalidades paralímpicas, exclusivamente disputadas por atletas com deficiência visual, com história relativamente recente, não apenas no Brasil, mas também no mundo, com início dos anos 1970. Por ser uma atividade nascida na Ásia, são de lá os primeiros relatos de atletas com deficiência praticando o judô.

No Brasil, o início é impreciso, mas tudo indica que as escolas especiais voltadas para cegos foram o embrião da modalidade, assim como aconteceu com o futebol de 5, por exemplo. No entanto, ao contrário do futebol, apenas o Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, praticava o judô com frequência e tinha efetivamente uma modalidade desenvolvida por lá.

Seu “irmão” paulista, o Instituto Padre Chico, não contribuiu com a modalidade. Segundo Mizael Conrado, atual vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e um dos ícones do paradesporto nacional, eleito o melhor jogador do mundo de futebol de 5 em 1998, não houve o desenvolvimento da modalidade na instituição. “Eu estudava no Padre Chico na época em que o judô começou a ser praticado em terras paulistas, mas, ao contrário do futsal, não tínhamos nada na instituição. Os pioneiros na modalidade foram o Centro de Apoio ao Deficiente Visual (CADEVI), fundado em 1984, e o Centro de Emancipação Social e Esportiva de Cegos (CESEC), fundado no ano seguinte, quando o judô praticamente começava no Brasil”, diz Mizael.

O CADEVI é a maior força nacional dessa modalidade, tendo conquistado diversos campeonatos brasileiros, por equipe e individualmente. Ainda dentro das atividades esportivas são oferecidas aulas de pilates e condicionamento físico. Além delas, cursos de inglês, espanhol, informática, orientação e mobilidade, artesanato, entre outras. O CADEVI dispõe de convênio com a Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e a Universidade de São Paulo (USP), o que proporciona atendimento psicológico aos seus associados.

A história da instituição na modalidade inclui participações em competições estaduais e nacionais de 1992 a 2000. Em todos os campeonatos nacionais, tanto no Campeonato Nacional de Judô como nos Jogos Brasileiros para Deficientes Visuais, o CADEVI sempre esteve no lugar mais alto do pódio, por equipes ou por meio de dezenas de atletas que formou durante todos esses anos.

Um pouco antes, em meados dos anos 1980, o judô começou a ser praticado de forma pontual no Brasil. Data de 1987 a primeira participação internacional brasileira na modalidade, com 4 atletas, todos de Curitiba, Paraná. Em 1988 o Brasil foi disputar as paralimpíadas de Seul com uma delegação maior e com mais representatividade de outros estados. Já nessa primeira participação conquistou três bronzes. Em Barcelona 1992, nenhuma medalha foi conquistada.

Mas a história do judô paralímpico seria escrita de forma brilhante a partir de 1996, com o paulista Antonio Tenório, que defendeu o CESEC durante muitos anos. Tenório é um dos grandes nomes do paradesporto nacional, e não seria exagero afirmar que foi o maior de todos, pois foi tetracampeão paralímpico em um espaço de 12 anos, entre 1996 e 2008, além de ter ganho a medalha de bronze em Londres 2012.

Nascido em São Bernardo do Campo e incentivado pelo pai, Graciliano Tenório da Silva, aos 7 anos de idade Tenório já estava em cima dos tatames. Nem mesmo a perda da visão do olho esquerdo, aos 13 anos, o fez desistir da modalidade. Muito pelo contrário. Tenório sempre encarou a prática esportiva como ferramenta de inserção na sociedade para qualquer pessoa, com ou sem deficiência. Aos 19 anos, já casado e com um filho, perdeu a visão do olho direito, fruto de uma infecção alérgica que sofreu quando trabalhava em um shopping na capital paulista.

Ele seguiu em frente, alternando a prática esportiva com atividades profissionais que lhe davam a condição financeira para manter sua família. Construiu uma trajetória de sucesso, ultrapassando os obstáculos que se apresentaram. Hoje, pai de quatro filhos e consagrado no paradesporto, está se preparando para participar de sua última paralimpíada, no Rio.

Além das cinco medalhas paralímpicas ele ainda foi ouro no Parapanamericano do Rio de Janeiro 2007, prata no Parapanamericano de Guadalajara 2011 e bronze no Campeonato Internacional na Alemanha, em 2012. Todas as medalhas foram conquistadas na categoria B1, destinada a cegos.

Outro nome de peso é o da judoca paulistana Lúcia Araújo, que também começou no CESEC e é promessa de ouro em 2016. Lúcia, de 34 anos, nasceu com baixa visão por conta de complicações da mãe durante a gravidez. Ela relata uma infância normal, apenas com a ressalva de que não podia ir sozinha a lugar algum, sendo sempre necessário que estivesse acompanhada. A atleta estudou em escolas regulares e chegou a fazer Direito, mas teve de parar por conta dos treinamentos do judô, ao virar atleta de ponta.

Para entender como isso aconteceu é preciso voltar no tempo, quando Lúcia tinha 15 anos. “Morávamos no Butantã (bairro da zona sul de São Paulo), perto de um clube-escola, mantido pela prefeitura. Passei a ir ao local na companhia dos meus irmãos mais novos. Eles treinavam judô, e comecei a fazer o mesmo. Treinava e lutava com videntes mesmo”, fala Lúcia, que se adaptou muito rápido à modalidade, enfatizando que a prática só lhe trouxe benefícios, como maior autonomia e segurança.

Porém, mudou de bairro com a família e tudo ficou mais longe, então o judô foi esquecido por um tempo. Somente aos 26 anos, quando procurava uma ocupação profissional, é que ela voltou ao tatame. “Fui fazer um curso de massoterapia e lá acabei fazendo amizade muito forte com uma amiga, cega. Ela me falou do CESEC e fui conhecê-lo. Quando eles ficaram sabendo que eu praticava judô, me convidaram na hora para treinar. E foi o que fiz”.

No entanto, a família de Lúcia não recebeu bem a notícia e pediu a ela que parasse de treinar e competir. “Tive de mentir, fazer tudo às escondidas. Eu ia para a casa dessa minha amiga e minha mãe e meu padrasto achavam que eu ficava por lá até a hora do curso de massoterapia. Só que, na verdade, a gente ia para o CESEC, onde continuei treinando. Conheci um mundo novo na instituição, inovações tecnológicas inclusive”, conta Lúcia.

Em outubro de 2006 foi ao Rio de Janeiro e tornou-se campeã brasileira na categoria até 63 quilos (sua classificação funcional é B3). “Quando voltei a São Paulo não dava mais para esconder. Pedi desculpas a todos pela mentira, mas mostrei a medalha. Mais do que isso, meu potencial. Daí em diante, meus familiares passaram a me apoiar, não existiam mais argumentos que sustentassem a teoria deles. Na verdade, o que desejavam era aquela coisa de superproteção, mas isso não ajuda”.

A partir de então teve início a construção de uma bela carreira. Em janeiro de 2007 a judoca foi convocada para a Seleção Brasileira pela primeira vez. Nesse mesmo ano, foi ouro por equipes no Mundial da International Blind Sports Federation (IBSA) e bronze no Parapan do Rio.

Porém, uma grande surpresa a esperava. Ao fazer exames de rotina, após o Parapan, descobriu que estava grávida de Ana Clara, hoje com 8 anos. “Lutei grávida, sem saber. Só de lembrar já me dá um frio na barriga, mas a Ana nasceu bem, graças a Deus. Tive de parar com os treinos, e só voltei em 2008, numa outra categoria, até 57 quilos”, explica a atleta. Em Pequim Lúcia não conquistou medalhas, mas considerou a experiência única.

Em 2011, foi ouro no Parapan de Guadalajara, México, e em 2012, conquistou a prata nas paralimpíadas de Londres. “O engraçado é que quando terminou a luta final (perdeu para Afag Sultanova, do Azerbaijão) eu estava muito triste. Mas enquanto esperava a cerimônia de premiação me passou um filme na cabeça, de tudo o que tinha passado até ali. Foi quando meu sentimento virou por completo, e a alegria foi contagiante”.

Parte do Time São Paulo desde 2011, a atleta ainda treina no Clube Esportivo da Mooca, junto com outros atletas do CESEC, fazendo do lugar uma referência nacional do judô paralímpico. “Tenho apoio financeiro, técnico, psicológico, nutricional. Enfim, estou servida por uma ótima estrutura, estamos treinando de segunda a sábado, tarde e noite. Treino com meu técnico, Alexandre Garcia, e com o coordenador da seleção, Jaime Bragança. Tenho uma expectativa muito forte para o Rio, não me vejo sem uma medalha que, se Deus quiser, será de ouro”.

O Judô Paralímpico no Mundo

Praticado por atletas com deficiência visual desde a década de 1970, o judô foi a primeira modalidade de origem asiática a integrar o programa paralímpico, estreando nos Jogos de Seul 1988, apenas com disputas entre homens. Os Jogos de Atenas 2004 marcaram a entrada das mulheres nos tatames. A entidade responsável pelo judô é a Federação Internacional de Esportes para Cegos (IBSA), fundada em Paris, em 1981. No Brasil, a Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV) administra a modalidade.

O Brasil nos Jogos

O Brasil teve cinco judocas na edição dos Jogos Paralímpicos de Seul 1988, primeira em que o esporte foi disputado. A delegação verde-amarela da modalidade voltou para casa com três bronzes, conquistados por Jaime de Oliveira (categoria até 60 quilos), Júlio Silva (até 65 quilos) e Leonel Cunha (acima de 95 quilos). Desde então, o judô brasileiro só não conquistou medalhas nos Jogos de Barcelona, em 1992. Em Atlanta 1996 veio o primeiro ouro, com Antônio Tenório da Silva, na categoria até 86 quilos. As primeiras medalhas femininas vieram em Atenas 2004, com Karla Cardoso, prata na categoria até 48 quilos, e Daniele Silva, bronze na categoria até 57 quilos. No total, a modalidade já rendeu ao Brasil 18 medalhas na história dos Jogos, sendo quatro ouros (todos conquistados por Antônio Tenório), cinco pratas e nove bronzes.

FICHA TÉCNICA

Há poucas adaptações no judô paralímpico em relação ao convencional. Os atletas começam a luta já segurando o quimono do adversário, posicionados assim pelo árbitro central, que conduz a luta para que o contato seja permanente. Ao aplicar uma punição, o árbitro também avisa a qual judoca está se referindo. Os atletas não são punidos por sair da área de luta.

Classificação: Além das categorias por peso, os judocas são divididos em três classes, de acordo com o grau da deficiência visual. Todas começam com a letra B (blind, cego, em inglês): B1, B2 e B3. Homens e mulheres têm o mesmo parâmetro de classificação. Em algumas competições, atletas de diferentes classes podem competir juntos.

•   B1: Cego total: de nenhuma percepção em ambos os olhos até a percepção de luz com incapacidade de reconhecer o formato de uma mão a qualquer distância ou direção.

•   B2: Lutadores que têm a percepção de vultos, com capacidade de reconhecer a forma de uma mão até a acuidade visual de 2/60 ou campo visual inferior a cinco graus.

•  B3: Lutadores conseguem definir imagens. Acuidade visual de 2/60 a 6/60 ou campo visual entre cinco e 20 graus.